Um prefeito do PMDB de Goiás impede e depois libera a construção de um aterro sanitário. Entre uma decisão e outra, houve a doação de dinheiro ao partido. Coincidência?
De tão estranhas ou mal contadas, existem histórias que, aparentemente, só os políticos são capazes de produzir e que, de tão singulares, eles também se complicam muito na hora de explicar. Aparecida de Goiânia é um município vizinho à capital de Goiás. Apesar da proximidade com o centro do poder no estado, apenas quinze em cada 100 casas dispõem de rede de esgoto, metade dos 442000 habitantes não recebe água tratada, os índices de criminalidade são elevados e a miséria grassa em bolsões onde famílias inteiras vivem em casa de papelão. O ex-senador e ex-governador Maguito Vilela, um dos chefes do PMDB goiano e atual prefeito da cidade, afirma que decidiu trocar a visibilidade da política nacional pelo desafio de tentar reverter esses vergonhosos indicadores sociais. "É uma cidade encardida, com muita coisa a ser feita", explica o prefeito. Talvez pelo fato de o município estar tão abandonado ou encardido - houve gente que vislumbrou ali o lugar ideal para abrigar um enorme aterro sanitário, com capacidade para receber lixo de toda a região, inclusive de Brasília. Uma empresa do ramo chegou a comprar uma fazenda para implantar o empreendimento. Maguito Vilela, porém, estava atento.
Alertado sobre a obra indesejada, o prefeito foi célere na defesa dos interesses de seus eleitores. Anunciou que o município tinha planos mais nobres para a área - e decidiu agir. Meses depois da chegada dos empreendedores, precisamente no dia 27 de agosto do ano passado, Maguito interrompeu sua participação na acirrada disputa eleitoral no estado e baixou um decreto declarando como área de utilidade pública para fins de desapropriação a fazenda Santa Rita de Cássia. As terras haviam sido compradas pela empresa paulista Geo Vision Soluções Ambientais e· Energia, que pertence ao grupo da Leão Leão, empreiteira especializada em uma multiplicidade de negócios de coleta de lixo urbano. "Eu desapropriei só para evitar que fizessem o aterro", diz o prefeito. No decreto, porém, Maguito escreve que o objetivo era usar a fazenda para ampliar o distrito industrial de Aparecida. Explica o ex-governador: "Eu só assinei, e não sei por que meus assessores escreveram isso. O objetivo era realmente impedir a construção do aterro".
Em novembro, encerradas as eleições, ocorreu um fato curioso: sem avisar ninguém, Maguito revogou o decreto, argumentando que o lugar da fazenda era inadequado para uma zona industrial. O aterro sanitário já podia ser construído, dependendo apenas de autorização de órgãos ambientais para funcionar. Parece contraditório, inexplicável, estranho - e é. A única coisa que aconteceu de diferente entre os 83 dias que separam a assinatura e a revogação do decreto foi uma doação de 300000 reais que a empresa Leão Leão fez ao comitê de campanha de Iris Rezende, o então candidato do PMDB ao governo de Goiás, que tinha Maguito como um de seus principais cabos eleitorais. A Leão ficou nacionalmente conhecida no rastro do escândalo do mensalão, quando surgiram evidências de que a empreiteira pagava propina a celebridades petistas. A doação da empresa à campanha peemedebista foi feita por meio de uma transferência bancária, em 30 de outrubro, um dia antes do segundo turno das eleições. Procurado, Iris Rezende não foi localizado. A Leão Leão informou que nunca conversou com o prefeito sobre doação ou qualquer outro assunto envolvendo a decisão municipal de considerar as terras de interesse público -que, aliás, considera arbitrária. O decreto de revogação da desapropriação da fazenda foi assinado por Maguito Vilela em 18 de novembro, dezenove dias depois da doação. O prefeito jura que uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Diante da corrupção e falta de transparência nas decisões políticas, avaliamos o quanto é importante a participação popular no direcionamento das intervenções urbanas, e os inúmeros problemas existentes como a miséria, criminalidade e infra-estrutura precária em regiões mais pobres, tudo isso como consequência da falta de um planejamento efetivo da cidade.
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