segunda-feira, 14 de março de 2011

Crack no caminho da avenida

Escombros nos canteiros de obras da Antônio Carlos se transformam numa nova "cracolândia"

Gabi Santos - Repórter - 4/09/2009 - 03:03

CARLOS RHIENCK
Quatro prédios que ainda resistem no canteiro das obras de duplicação da Avenida Antônio Carlos transformaram-se numa nova "cracolândia". Cerca de 50 homens e mulheres não se intimidam com os vizinhos e os operários e usam drogas diariamente no local. Crack e maconha, principalmente, são consumidos a poucos metros de caminhões e veículos que trabalham nas obras, entre os bairros São Cristóvão, Lagoinha e Concórdia, na Região Noroeste da capital. Na semana que vem, eles serão retirados pela Polícia Militar, segundo o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e a Sudecap, com a demolição dos prédios.

Operários contam que testemunham o dia todo, o entra-e-sai de homens e mulheres que invadiram os prédios de onde só saem, na maioria, durante a noite, em busca de dinheiro e comida. A maioria dos invasores dos prédios, que já não têm portas ou janelas, é a mesma que, há anos, frequentava o trecho da Rua Araribá, no São Cristóvão, local que era conhecido como "cracolândia", hoje ocupado pela Polícia Militar. O outros frequentavam os gramados localizados ao lado da Igreja de São Cristóvão, a menos de dez metros da Avenida Antônio Carlos. Impedidos pelo 34º Batalhão da Polícia Militar de continuar frequentando esses lugares, os viciados escolheram e invadiram os prédios desabitados que estão localizados dentro do grande canteiro de obras da Avenida Antônio Carlos, para passarem a noite e usarem drogas. Oficiais da 21ª Cia da Polícia Militar, localizada na Rua Diamantina, no Bairro Lagoinha, revelaram ontem que cerca de 50 pessoas, homens e mulheres (algumas delas grávidas) ocupam esses prédios.

A presença dos usuários de droga nessa região está levando insegurança a centenas de famílias que moram em torno da área onde são realizadas as obras. Elas se queixam de pequenos furtos, da presença de estranhos perambulando pelas ruas em busca de comida e de dinheiro para comprar pedras de crack ou cigarros de maconha. Um desses moradores, que pediu para que não fosse identificado, de 41 anos, morador da Rua Beberibe, afirmou que todos os dias homens e mulheres trajando roupas sujas, magros, procuram as casas da rua pedindo comida ou dinheiro. "Eu não dou nem comida nem dinheiro e procuro nem conversar. Nós não sabemos o que a pessoa pode fazer e é muito perigoso quando a gente se descuida", afirmou. O morador reclama que durante a noite, a situação piora. "Eles ficam nas esquinas para usar drogas. Aqui em casa ninguém sai durante a noite por causa disso. Acho que ficou muito perigoso sair de casa a qualquer hora do dia", ressaltou.

Muitos usuários de drogas têm passagem pela polícia e frequentavam antes a "cracolândia", ou os canteiros centrais em frente ao Conjunto IAPI. Um deles afirmou ontem que, ao deixar o local, o grupo vai buscar prédios vizinhos.

"A gente vê essas pessoas entrando e saindo nessas casas e sabe que elas usam drogas lá dentro. Mas como a gente só se preocupa em trabalhar e nem olha para o lado delas, elas também não perturbam o nosso serviço", comenta o operário A. B., 32 anos, que trabalha no canteiro central há alguns meses. "A maioria dessas pessoas fica por perto da Rua Araribá, esperando a abertura de um albergue, para tomar banho, comer e dormir. No outro dia, elas saem e voltam para as ruas, onde ficam fumando crack e maconha", comentou o tenente Cláudio Antônio Jorge, do Grupo Especial de Policiamento de Áreas de Risco, da Pedreira Prado Lopes. "Prendemos cerca de 15 pessoas por mês, por causa de drogas, e encaminhamos muitas outras para clínicas. Mas o problema continua porque elas sempre voltam para as ruas para usar drogas". Outros militares da 21ª Cia, na Rua Diamantina, afirmam que todos os dias são apreendidas pedras de crack na região, informação que o tenente Cláudio confirma com a apreensão de uma média de 15 pedras diárias, nas ruas escolhidas pelos usuários.

Entrevista: P., 32 anos

Você vive aqui nestes escombros. Quantas pessoas convivem com você?
Eu acho que passam por aqui, por dia, umas 105 pessoas, homens e mulheres.

Tem crianças também?
Não. Crianças, graças a Deus, não.

Você já foi trabalhador com carteira assinada?
Já. Trabalhei como encarregado de serviços gerais, em uma empresa daqui de Belo Horizonte.

Tendo nascido em BH, você se considera em situação de total abandono?
Eu acho que não é abandono, mas de carência. Sou usuário de drogas há sete anos e nunca consegui um tratamento para me recuperar. Eu sei que preciso de internação mas nunca procurei por isto.

Você tem saudades da sua família?
Sou casado, com filhos, mas separei deles por causa de falta de diálogo, bebida...

O que vai acontecer com todo mundo quando os prédios forem demolidos?
Onde ficam as pessoas que não têm nada em BH? Onde elas ficam? Nas ruas! Então pronto! Eu acho que a prefeitura deve dar uma casa para cada das famílias que estão aqui, abandonadas. Mas isto não vai acontecer nunca. Vontade eu tenho de voltar para casa.

Como é que vocês fazem para se alimentar?
Alimentação? Olha, de vez em quando passa um inocente lá na avenida trazendo comida pra gente. Trazendo não. Eles deixam perto daqui, dos prédios, e a gente vai lá buscar. São evangélicos. Mas é pouca comida e não dá para muita gente. Nós passamos até cinco dias sem comida um nada. 
http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/crack-no-caminho-da-avenida-1.9184

Um comentário:

  1. A insegurança dos moradores e trabalhadores da obra viária na avenida Antônio Carlos surge em consequência, dos prédios desabilitados próximos ao canteiro de obras, serem espaços mal iluminados e pouco vigiados. Os vazios urbanos das cidades são áreas potenciais para a formação de "cracolândias" , problemas como o aumento da criminalidade e da insegurança local passam a ser constantes nesses espaços, influenciando diretamente na qualidade dos espaços públicos presentes.

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